18.4.08

«Desde que os autores não tenham contratos assinados
é evidente que os posso trazer»


Meses depois da compra das Edições Asa pelo grupo Leya, o editor Manuel Alberto Valente,
62 anos, bateu com a porta e explica porquê. Está a preparar um novo projecto editorial

Manuel Alberto Valente, 62 anos, entrou para as Publicações Dom Quixote, em 1981, como director editorial. Dez anos depois foi convidado por Américo Areal para as Edições Asa, onde ficou 17 anos. Primeiro como director editorial e, mais tarde, como director-geral especialista no catálogo de literatura. No ano passado, Américo Areal vendeu a sua empresa familiar a Miguel Pais do Amaral. Este criou o grupo editorial Leya, que hoje inclui, entre outras, a Asa, a Dom Quixote, a Texto e a Caminho. Em Março, Manuel Alberto Valente, na altura editor da Asa com a responsabilidade dos portugueses e dos autores de língua espanhola e francesa, apresentou a demissão.

PÚBLICO - Quando se demitiu das Edições Asa, não quis revelar as razões que o levaram a abandonar o grupo Leya. Pode fazê-lo agora?
MANUEL ALBERTO VALENTE - Aquilo que me levou a sair foi um enorme desencanto profissional. Poder-se-á pensar que é uma posição contra a concentração editorial, mas, à partida, não tenho nada nem contra os grupos nem contra a concentração. Temos que fazer uma distinção clara entre grupos que são do livro e grupos que não o são. Concretizando: a Bertelsmann ou a Porto Editora são grupos do livro, nasceram e viveram com o livro toda a vida.
Têm tradição na área.
Há uma tradição familiar de negócio do livro. Os outros dois grupos que estão neste momento no mercado português - o Explorer Investments e o Leya - não têm nada a ver com o livro. Estão no livro por mero negócio. O Explorer é um fundo de investimento e está no livro até ao momento de poder ganhar mais-valias com a venda das editoras que comprou e dizem-no abertamente; e o grupo Leya, embora o esconda, está na mesma posição. Está na área do livro até lhe surgir uma oportunidade boa de vender o grupo a qualquer comprador nacional ou estrangeiro.
Porque é que o esconde?
Porque não tem assumido abertamente que comprou para vender.
Desencanto profissional porquê?
Quando a Asa foi comprada, pensei que o grupo Leya ia trazer à Asa, por um lado, dinheiro, mas, por outro lado, organização, eficácia, profissionalismo. Portanto, olhei com muito optimismo e com uma boa expectativa a entrada da Asa no grupo. Curiosamente, o que a prática me veio revelar foi que dinheiro passou a haver, efectivamente, mas tudo o resto era mentira. A desorganização é completa, a falta de eficiência é completa, a falta de profissionalismo é completa. A Asa antiga era um mimo de organização e de excelência de trabalho comparada com aquilo em que a Asa foi transformada.
Não foram então questões de opção editorial.
Embora aí também houvesse desinteligências. Foi realmente ver-me rodeado de uma falta de eficácia, de organização e de profissionalismo com a qual não podia pactuar. Ajudei durante 17 anos a construir a Asa, não podia ser cúmplice da sua destruição. É um desencanto muito grande quer com as políticas editoriais que estão a ser seguidas, quer com a falta da competência profissional da maior parte dos quadros que entraram para a estrutura com a constituição do grupo.
Construir um grupo com várias editoras que nunca trabalharam juntas demorará o seu tempo em termos de logística e organização.
Julgo que já teriam tempo para isso. As Edições Asa foram integradas em Setembro. Houve, evidentemente, uma confusão inicial, mas estamos em Abril e não há sinais. Todos os sinais que foram dados não auguram nada de bom. Isaías Gomes Teixeira, administrador executivo do grupo Leya, no momento em que me despedi, disse-me que compreendia perfeitamente que um homem que tinha idade para ser pai dele já não se adaptava a estas novas dinâmicas do mundo editorial. É um bocado verdade.
Porquê?
Sou de uma geração e tenho uma escola em que houve sempre uma enorme preocupação com a rentabilidade dos projectos, mas essa rentabilidade passava por uma frase que repeti muitas vezes: "Publica-se o que dá para se poder publicar o que não dá." Uma das primeiras frases que Isaías Gomes Teixeira disse quando entrou para o grupo foi: "Mas para que é que vocês publicam o que não dá?" Isto transmite toda uma filosofia com a qual não estou minimamente de acordo.
Houve uma diminuição da importância da Asa dentro do grupo ao lado de editoras como a Caminho e a Dom Quixote?
Não, não é isso que está em causa. A Dom Quixote, para todos os efeitos, só agora é que está a começar a ser integrada. Há, efectivamente, uma diminuição da capacidade de actuação da editora que se está a reflectir nas próprias vendas e na maneira como os livreiros estão a encarar o trabalho do grupo, que do ponto de vista logístico é desastroso.
Uma das inovações da Leya foi a integração de um gestor de marca a acompanhar o editor.
Essa é uma ideia contra a qual não tenho nada, isto se os gestores de marca escolhidos fossem pessoas habilitadas a cumprir esse papel. O que acontece é que, pelo menos em alguns casos, as pessoas que foram escolhidas como gestores de marca não têm a mínima ideia do negócio editorial e, portanto, não estão em condições de poder cumprir as suas funções.
Abandonou o grupo Leya por sua própria vontade, não recebeu indemnização, não negociou a sua saída. E agora?
Tenho estado a construir um projecto que quero que seja consistente, de qualidade, de excelência. E há duas hipóteses: ou avanço para esse projecto sozinho, ou encontro um interlocutor que o aceita e inclui numa estrutura editorial já forte. Como é ambicioso, gostava de o ver integrado numa estrutura que lhe desse garantias de eficácia.
Pode ser mais concreto?
É um projecto editorial que passa pela publicação de autores portugueses e de obras traduzidas na área da ficção e da não-ficção. Não é para publicar os restos do que sobra dos grandes grupos. Quero que possa ser um projecto concorrente dos grandes grupos. Quero publicar livros já este ano, na rentrée, em Setembro.
São livros que já estavam acordados?
Não posso trazer das Edições Asa livros previstos no seu programa editorial e que já estavam contratados. Mas autores posso. Desde que os autores não tenham contratos assinados para obras novas, evidentemente que os posso trazer. E conto com eles, aliás, quer portugueses, quer estrangeiros.

Público, 18 de Abril 2008