26.1.06

O VELHO PSD (14-4-2005, Jornal de Notícias). Os discursos e a presença de Pedro Santana Lopes no congresso do PSD eram necessários. Mas o que era visto como necessário transformou-se, rapidamente, numa excrescência, mais do que numa inutilidade.

Uma das lições que a “política real” devia fornecer seria a da leitura correcta dos resultados eleitorais. A ameaça pendente que Santana Lopes deixou ficar não é, finalmente, o aviso de um líder que se despede – mas o ressentimento de um derrotado. E, se não revela uma ideia sobre o que pode significar fazer política, revela um carácter. Dois meses depois das eleições já não é possível ignorar que houve uma claríssima mudança de intenções e de sensibilidade no país: não apenas acerca de quem devia governar – mas também sobre quem estava prestes a abandonar o governo. Nos últimos anos, a reacção palpável e imediata dos derrotados é a de assegurar ao eleitorado o direito à alternância e a experimentar outras soluções. Esse é um princípio fundamental e convém mantê-lo. Mas deviam tirar-se outras lições. O congresso do PSD, salvo erro, não as tirou devidamente.

O que mudou nos últimos anos portugueses não foi a correlação de forças entre a “esquerda” e a “direita” clássicas (visível através da “alternância democrática”), entre o PS e o PSD, mas a ideia de que existem outras coisas para lá dessa arena – outros valores, outras exigências (de natureza cultural – sobre a vida, sobre o carácter dos políticos e o seu comportamento, sobre o peso e os negócios do Estado) e, sobretudo, uma outra ideia acerca do que deve ou pode ser o país. O congresso do PSD não entendeu o desenho que estava ali, à frente, visível para todos. Se o congresso do PSD tivesse ido a eleições (ou seja, se as suas sensibilidades tivessem ido a juízo diante do eleitorado), facilmente compreenderia a sua inutilidade e a pouca importância que tem para o país nestas circunstâncias.

O congresso do PSD manteve uma outra correlação de forças: a dos grupos que levaram o PSD a tornar-se praticamente irrelevante para tudo o que seja o debate sobre o papel do Estado na sociedade e na economia, sobre as novas realidades culturais, sobre o sentido que tem a política portuguesa na Europa de hoje.

Dando a vitória a Marques Mendes, tentou a reabilitação. Mas não se definiu claramente “por ele”; pelo contrário, aceitou e aplaudiu o ressentimento santanista, mantendo-o como uma desacreditada “reserva moral”, o que faz temer pelo autismo do partido em relação a esses debates que atravessam a sociedade – e que fazem gente de direita votar na esquerda, por exemplo. A verdade é que uma larga faixa do partido quer manter o velho PSD, sem compreender que esse partido acabou e que as suas heranças são um património mas não um programa nem uma inspiração.

Num mundo que anda muito depressa, o ressentimento que aplaudiu algumas intervenções no congresso foi apenas um sinal de atavismo e de provincianismo. Mais do que isso: daquela espécie doentia de alheamento que conduz às grandes hecatombes e aos grandes silêncios. E são silêncios justamente porque, por detrás daqueles aplausos que o congresso dedicou a Santana Lopes (agradecendo-lhe coisas insuspeitas, naturalmente), não havia nada para dizer. E, por agora, o PSD ainda não tem nada para dizer.