Entre o resultado e a moral: uma compreensão do voto em Lula
Por Luiz Claudio Lourenço
29/09/2006
Para quem diz que a maioria do eleitorado, o eleitor comum, de baixa renda e de baixa escolaridade, não é racional, que não pondera para fazer suas escolhas, que não é pragmático, a eleição presidencial deste ano mostra o contrário. Mostra que sua preocupação é de caráter pragmático, desvinculada de engessamentos ou convicções mais ideológicas e mesmo morais.
O eleitor, ao que parece, está mais racional que nunca, no que se refere à escolha à Presidência da república. Mas diria o leitor mais atento: e este sem-número de escândalos envolvendo petistas? Como podemos afirmar ser racional o eleitor apóia o presidente que pertence a um partido que está tão envolvido (direta ou indiretamente) em casos como o do mensalão, da compra de dossiês entre outros? Como o eleitor pode dar suporte e respaldar, com sua intenção de voto, atitudes no mínimo suspeitas e tão pouco virtuosas do ponto de vista moral?
Para compreendermos isso é preciso separar duas coisas primordiais: uma é o julgamento moral de um indivíduo; a outra, o julgamento político de alguém que ocupa a cadeira de presidente da República. Esta separação é fundamental, pois o julgamento moral de um indivíduo se dá de forma diferente do julgamento político.
A ação guiada pela moral deve ter pureza de princípios, independentemente de qualquer outra coisa. Ela é guiada pela virtude, pela fé nos valores e não é comprometida com nenhum tipo de resultado. Vale a máxima: "Faço que faço, pois acredito nisso independente do que possa acontecer". É o tipo de ação a que o pensador alemão Max Weber afirma ser guiada pela "ética de convicção". Não há aqui espaço para cálculo de perdas ou ganhos, há apenas as certezas dadas moralmente.
Mas política e moral são coisas que nem sempre caminham de mãos dadas e tem cada uma a sua própria lógica. Uma ação moralmente correta pode ser um desastre político. Esta constatação não é nova dentro da ciência política, aliás foi evidenciada no pensamento do filósofo político italiano Maquiavel, que não teve pudores em escrever que os objetivos na política (por serem de natureza coletiva e não individual, devemos aqui frisar) são primordiais e mais importantes que os meios.
A ação política deve ser orientada sobretudo pelos seus efeitos, pelos seus resultados à coletividade, enfim sua repercussão objetiva junto ao povo. Se na ação moral o indivíduo se guia pela "ética de convicção", na ação política é a "ética de responsabilidade" que baliza a ação. Quem governa não pode governar apenas pelos seus valores e convicções morais e orientações ideológicas - antes, tem que ser responsável por suas ações tomadas para e em nome da coletividade. Aqui a máxima é diferente: "Faço o que faço, pois é preciso que isso gere resultados". O político é responsável e responsabilizado mais pelo resultado objetivo de sua ação política que pelo purismo de seus princípios ou suas boas intenções. Para este tipo de ação, o julgamento pode ser, sim, fruto de cálculo racional, pois seus resultados são mais objetivos e palpáveis.
O político é responsável e responsabilizado mais pelo resultado objetivo de sua ação política que pelo purismo de seus princípios
Nos contos, para tomarmos um exemplo simples, Robin Wood roubou. Não importa de quem ou por que, sua atitude é condenável para todos que pregam que roubar é errado. Portanto, o julgamento moral dele já está dado por estas pessoas. Mas a conseqüência gerada para os povos da floresta beneficiados pelo produto de seus roubos faz sua ação política - para estes não pesa o fato dele ter roubado, mas o resultado efetivo deste roubo. O cálculo entre a situação anterior e posterior à ação é levado em conta neste julgamento, e é com base nele que se faz o julgamento político da ação.
Longe de querer comparar o personagem dos contos com nosso atual presidente-candidato, a política adotada no governo Lula teve um aspecto prático importante para uma parte muito significativa do eleitorado. Os gastos com a rede de assistencialismo montada pelo governo deixam claro isso. São milhões de brasileiros beneficiados com algum tipo de subsídio importante para sua sobrevivência. É preciso ter em conta aqui que 58,41% (segundo dados de junho divulgados pelo TSE), a maioria do eleitorado brasileiro tem menos que o primeiro grau completo - são mais de 73,5 milhões de eleitores. Soma-se a isso que a maioria também tem baixa renda. Pesquisas qualitativas revelam que, para este eleitor, a política é muitas vezes um mundo onde a moral, presente em seu cotidiano de trabalhador honesto, nunca fez parte, daí ele ter uma percepção muito mais "realista" (ou sem ilusões) e muito menos "romântica" do poder (ou idealista). O eleitor brasileiro tem preocupações muito prementes no seu cotidiano: a sua maior demanda é sobreviver e não julgar moralmente os políticos. Estes políticos, salvo raras exceções, já são considerados de antemão na percepção do eleitor comum como corrompidos e desonestos.
Lula, desde o início de sua campanha no horário gratuito, está evidenciando o aspecto pragmático de sua atuação na Presidência da República. Logo no primeiro programa comparou o preço de um saco de cinco quilos de arroz no final do governo FHC e o atual preço do produto, mostrando que houve uma redução de cerca de 50%. Para o eleitor que necessita mais que qualquer outra coisa sobreviver, vão importar menos os escândalos políticos e muito mais o preço do arroz que caiu. É com base nisso que, acredito, podemos compreender melhor os números das prévias eleitorais e o cálculo feito pelo eleitor. A racionalidade utilizada pelo eleitor é imediata e diz respeito às condições mais básicas da sua subsistência.
Fica mais fácil perceber que o eleitor comum está, sim, comprometido com aquilo que pode ser verificável, ponderado, calculado. Como já dissemos, e é importante frisar, o julgamento moral não carece de cálculo e se baseia de maneira pura nos valores. Mas os ganhos e perdas cotidianos gerados pela política nacional dos últimos quatro anos parecem gerar um saldo positivo no cálculo factual feito até agora pelo eleitor. As pesquisas mostram de forma clara que o eleitor está fazendo um julgamento das ações políticas do presidente e não de seu posicionamento moral. Se o eleitor estivesse ponderando a atitude moral do presidente (direta ou indiretamente) ele dificilmente já não estaria deposto.
Luiz Claudio Lourenço é cientista político e pesquisador Doxa-IUPERJ. luizim@yahoo.com