28.3.08

O GOSTO ÚNICO
















José Eduardo Agualusa | Capital | Luanda

Não posso dizer que tenha ficado surpreendido com algumas das reacções a uma entrevista que concedi recentemente ao Semanário Angolense. Atravessamos um tempo um pouco estranho, de transição de um regime de pensamento único para aquilo que, espero, venha a ser uma verdadeira democracia. O que diferencia uma ditadura de uma democracia é a pluralidade de ideias e de opiniões sobre qualquer assunto, e a forma como essas ideias são recebidas não apenas pelos governantes, mas pela generalidade da população.

Os ditadores esforçam-se por estabelecer primeiro uma determinada ideologia política, mas raramente se detêm aqui – tentam a seguir impor a toda a gente os seus próprios gostos sobre música, literatura, artes plásticas, desporto, sexo, ou mesmo moda. Hitler, que foi um medíocre pintor de paisagens, embirrava com o cubismo e o expressionismo, classificados como “arte degenerada”. As obras de grandes pintores, como Chagall, Mondrian ou Max Ernst, foram então consideradas produtos de mentes doentias. "De agora em diante iremos empreender uma guerra implacável contra os últimos remanescentes da desintegração cultural”, assegurou Hitler num famoso discurso sobre arte moderna, em 1937: “Por tudo que nós apreciamos, esses bárbaros pré-históricos da Idade da Pedra podem retornar às cavernas de seus ancestrais e lá realizar os seus rabiscos primitivos internacionais”. Os seguidores de Hitler, evidentemente, elogiavam os dotes artísticos do fuher. Mas, claro, quem acabou triunfando não foi Hitler, e sim os artistas ditos degenerados.

Mobutu não gostava de calças à boca de sino. Mugabe odeia (e persegue) os homossexuais. No Chile de Pinochet, e em Moçambique, no tempo de Samora Machel, jovens com cabelo comprido não eram muito apreciados pelo regime.

No seio do partido no poder confrontam-se hoje em dia democratas autênticos, democratas de fantasia – que ainda há poucos anos defendiam o sistema de partido único –, e uma mão cheia de órfãos da ditadura, mortos-vivos que não conseguem adaptar-se aos novos tempos e insistem em classificar como traidores à pátria todos os que se atrevam a contestá-los. Partido e pátria são para estas pessoas exactamente o mesmo, ou, ao menos, o partido constitui uma extensão da pátria.
Estes zombies são hoje, dentro do MPLA, um arcaísmo deselegante. Tenho a certeza de que incomodam, com a sua brutalidade, os próprios companheiros de partido. Julgo que têm os dias contados. Já não é possível, como se fez em 1975, acusar adversários políticos de se alimentarem de carne humana (recuperando desta forma, e talvez não por acaso, uma das mais racistas e abjectas fantasias coloniais). Felizmente esse tempo passou.