GAJAS DO MEU PAÍS. No meu país de senadores, medalhados e reformados (ou com subvenções vitalícias) podem passar-se semanas sem que haja qualquer coisa de substancial a acrescentar à pequena modorra. Mas o problema não é nosso - é geral. Uma onda de covardia e de senilidade, ao mesmo tempo, toma conta da Europa. Esta semana, prefiro deixar a política entregue aos seus. Distingo, por isso, uma mulher corajosa. Não foi medalhada pelo sr. presidente da República e duvido que algum dia o fosse, a avaliar pelos seus magnos e indiscutíveis critérios - e duvido que se trate de assunto de medalhas.
Há cerca de dois anos, procurando aqui e ali, entre os melhores textos de Língua Portuguesa disponíveis na Internet, acabei por ficar rendido a uma série de blogs brasileiros. O que era mais surpreendente a grande qualidade da sua língua, a grande imaginação do seu texto. O que era mais comovente: eram pouco, muito pouco conhecidos. Entre eles estavam blogs como "Nibelunga do Cabelo Duro", "Megeras Magérrimas", "Drops da Fal" ou "Caderno Lilás", por exemplo. Só um ano depois, para grande surpresa minha, apareceram blogs portugueses femininos de qualidade comparável. Entre eles estavam e estão, certamente, "Bomba Inteligente", "Xanel Cinco", "O Meu Moleskine", "Diotima", "Vieira do Mar", a participação feminina no "Blogame Mucho" ou "Rititi". Ao leitor ou à leitora que não estejam atentos, recomendo que vão à net e procurem.
Rititi é pseudónimo de Rita Barata Silvério, que acaba de publicar um livro com alguns textos do seu blog (leva o título "O livro da Rititi", edição Oficina do Livro). No meu país envergonhado e lírico, nostálgico e - no entanto - pouco romântico e pouco corajoso, "O livro da Rititi" é mais do que um conjunto de textos sobre a vida que passa. É o retrato da nova mulher portuguesa. Podemos não gostar muito do retrato, mas é o retrato de uma mulher corajosa que não se reduz ao seu papel de mulherzinha, nem vibra com a magra condição da "mulher de dentro de casa" ou da condenada à solidão das bibliotecas. Esta é uma "mulher furiosa" (que, por apenas coincidência, vive entre Espinho, Lisboa, Estremoz e Madrid), cuja linguagem não é amena nem educada pela literatura das mulheres.
O que representa a Rititi? Um mundo que colocaria os homenzinhos em sentido. Um mundo que a covardia portuguesa, feita de muita literatura e de umbigos enormes, não autorizaria. O mundo da Rititi é o das mulheres que não são "as nossas mulheres portuguesas" oprimidas pelo fascismo ou enquadradas pelo alto moralismo da Esquerda. Ligeireza e superficialidade, sexo e desbragamento, coragem e romantismo, álcool e casamento, família tradicional e comida com calorias – este é o mundo da Rititi, luminoso e frontal, malcriado e arrogante, delicioso, cheio de humor, culto, politicamente à Direita, anarquista e anárquico, solidário com o sofrimento, mas sem o "nenhenhém" lírico e palavroso da caridade moral das nossas letras.
De Portugal, Rititi tanto fala da maravilhosa luz de Lisboa e da "francesinha" comida num restaurante de Espinho, como da fealdade dos políticos e do absurdo do IP5, da falta de dignidade dos homens e do ridículo provincianismo cultural das mulheres.
Ah, não gostam do retrato? Tanto pior. "O Livro da Rititi" é uma afronta à mediocridade do feminismo (que detesta a palavra "gajas") e à "superioridade moral" dos nossos sacerdotes da cultura. Está cheio de vento, de amor, de violência, de riso, de sarcasmo, de uma magnífica Língua Portuguesa que nunca trai esse novo sentimento português, que já não é trágico nem tem bigode ou pais da pátria para venerar. Leiam, leiam. Homens, tremam. Mulherezinhas, aprendam.
Quinta-feira, 16 de Junho de 2005